sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Filas: esperar faz parte

Mais uma vez com um gancho no texto anterior, falo agora sobre um momento que poucos imaginam, mas quem "sente na pele" com certeza dá importância: a eterna arte de esperar. Como se sabe, ninguém é único nos consultórios e, diga-se de passagem, o Hospital do Câncer tem estado cada vez mais cheio - ao menos é a impressão que tenho. Pelo que percebo, e também algum dos médicos já comentou comigo, os próprios estudantes de medicina têm receio de se especializar na área de oncologia, o que faz menor o número de profissionais capacitados, tornando desproporcional a relação pacientes/médico. Reitero, é a impressão que tenho. Enfim, nesse jogo de "é só aguardar" daqui, "é só aguardar" dali, você "perde" horas e horas, e mais horas (muitas mesmo) da sua vida, sentado num banco, olhando paredes, teto, chão, e outros pacientes.

Minha mãe que o diga - sempre comigo em todas as consultas, exames, internações, etc. É claro que, acostumadas, já temos nossos passatempos: ela com seu crochê, eu ora com minhas palavras cruzadas, ora com os xérox e livros sempre a tiracolo. Ali, cada uma ao seu modo, buscamos uma distração (e uma abstração). Porque muitas das vezes é interessante conversar com quem está ao lado, mas volta e meia é melhor permanecer em silêncio. Não quero ser mal compreendida; a questão é que muita gente passa uma energia negativa, outros têm assuntos, na minha opinião, bem intragáveis. Enfim, salvo casos específicos (pois é sempre bom aprender com os outros), opto por dispersar meu pensamento para outros ambientes - senão é impossível aguentar 4, 5, 6 horas por uma consulta sem ter uma crise de humor.

Justificada a demora, no mais, só tenho elogios ao Hospital do Câncer. Desde copeiras, faxineiras, secretárias, às enfermeiras, auxiliares de enfermagem, médicos e outros funcionários, todos sempre foram muito profissionais e ternos. Inclusive, algumas atitudes já me surpreenderam (e surpreendem). Tendo a possibilidade de comparar - já fiquei internada no HU, em Londrina, e no Hospital da Providência, em Apucarana -, sem titubear elejo o Hospital do Câncer, se não como o melhor (estruturalmente falando), com certeza o mais humano. Com poucas exceções, as pessoas que trabalham lá sabem com quem estão lidando, simplesmente porque veem, vivenciam. E, não há dúvidas, a pessoa que tiver a oportunidade de visitar, nem que seja uma única vez, de forma alguma vai sair de lá com o mesmo olhar sobre as coisas. 

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

(Eu sou) Apenas mais uma

Pra não cair na ordem cronológica dos fatos, vou abrir um parênteses aqui, retomando, de certa forma, o que vinha falando no texto anterior. Mais propriamente com relação ao momento em que se recebe a notícia que se está com câncer - como tal considero a ocasião de 2007. Eu não sei se todos conseguiram se imaginar em situação tão desconfortante, mas aos que conseguiram e aos que, assim como eu, já viveram-na, queria compartilhar um pouco de como essa questão evolui (ou, pelo menos, como evoluiu em mim).

Num primeiro momento, o egoísmo toma conta (o que ilustrei com a pergunta "Por que eu?"). Mas, depois, você inverte isso e diz: Por que não eu? Afinal, todos estamos sujeitos a ficar doentes e, inclusive, a ter câncer. É algo que está aí, posto, e o que não adianta é fugir. Além do mais, quando você começa a conhecer outros casos, percebe o quanto vale a pena lutar. Comparado a casos "piores", por exemplo, você enxerga a força que você tem, não só pra resistir, mas principalmente pra viver, e viver plenamente, como eu já havia dito. E, também, comparado a casos em que houve cura, você se agarra nessa esperança de também ficar curada um dia.

É claro que o assunto é bem delicado, e falar de cura é um risco. Não se deve ser hipócrita, ou melhor, ingênuo, a ponto de desconhecer o perigo de uma doença como o câncer. Mas o que eu gosto de deixar claro é que, com ou sem ele, eu consigo ser feliz, porque não preciso ficar pensando (e não fico) 24 horas por dia nisto. Fico mais preocupada em procurar fazer coisas que gosto, conversar com pessoas agradáveis, enfim, viver um dia após o outro, com tudo de melhor que eles têm. Até porque sei que, vira e mexe, hospital, médicos, enfermeiras e etc me aguardam pra uma "visitinha básica".

Do ponto inicial

Imagine-se sentado na cadeira de um consultório médico. Você foi ver o resultado de uns exames, porque há algum tempo estava sentindo um "carocinho" na costela. Ele diz que terá que fazer uma biópsia. Bom, você tem 12 anos e não entende muito bem o que está acontecendo. Tudo é novo, mas, de certa forma, até divertido, pois você tem o que contar para os amigos na escola: "Fiz uma tomografia", "Lá no centro cirúrgico tem um monte de luz e umas pessoas de roupa verde e touca de bichinho". Você entra e sai de um hospital, em que o letreiro na fachada avisa "Hospital do Câncer", mas sua mãe te diz que todo tipo de "carocinho" é tratado ali, e não há com que se preocupar. Com o resultado da biópsia, outra notícia: você terá que fazer uma cirurgia; tirar a costela e colocar no lugar uma prótese de "cimento". Pessoas começam a ir à sua casa, te desejando boa sorte e enchendo os olhos de lágrima, e você continua perdido.

1ª cirurgia - 09/10/2001: Do pouco que lembro, ficou a "melhor" parte. Era véspera de dia das crianças e eu ganhei um saco cheio de presentes da ONG Viver (Organização em prol de crianças e adolescentes em tratamento oncológico, em Londrina) - alguns dos quais tenho até hoje. Se bem que não me interessei muito por eles antes que pudesse me aliviar da dor. Compondo a parte ruim das lembranças: acordar na UTI e pedir pela mãe, além da sensação angustiante de falta de ar, incontrolável pra uma criança da minha idade. Curada, eu ainda não sabia que o que tinha tirado era um câncer. Mas continuei indo àquele hospital, e lendo aquele nome, até me tocar do que realmente estava acontecendo. Entre consultas e exames de rotina, passaram-se 5 anos sem surgir nenhuma recidiva - foi nesse entremeio que perdi meu pai. Os meus cabelos também continuavam intactos. Eu já estava no final do primeiro ano da graduação. Eis que surge outro "carocinho", agora na perna.

Como já fazia o trabalho de remissão (controle), foi rápida a decisão de fazer a segunda biópsia. Me despedi dos colegas de faculdade antes do fim das aulas, levei comigo a preocupação. Agora, mais "espertinha", sabia que não podia ser coisa boa. Novembro de 2006, fiz a tal biópsia, que me deixou 45 dias de muletas. No resultado, uma feliz notícia: o tumor não era maligno. Mas a tranquilidade duraria pouco... Passei o primeiro semestre de 2007 vendo aquele "caroço" aumentar, e sentido-o cada vez mais quente e dolorido. Férias de julho: aproveitei pra dar um pulo no hospital, e ver com o médico se realmente estava tudo ok. Só pela reação dele ao ver, percebi que definitivamente não estava. Mais exames, mais biópsia, só para cumprir procedimentos. O resultado já sabíamos...

De novo, imagine-se sentado na cadeira de um consultório médico. Você foi ver o resultado de uns exames, porque há algum tempo estava sentindo um "carocinho" na perna. Mas dessa vez foi diferente, bem diferente! - e eu considero como a primeira. Ele te diz: "O câncer voltou, você terá que fazer uma cirurgia pra retirar esse osso. No lugar, vou colocar osso da outra perna. A quimioterapia será feita tanto antes quanto depois". Imaginou? O primeiro pensamento: É mentira. O segundo: isso não pode estar acontecendo comigo. O terceiro: Por que eu? O quarto: Segunda tenho que voltar às aulas, e ao trabalho, o que vou fazer? O quinto: Aliás, se meu cabelo vai cair, não vou mais sair de casa. E assim por diante... Sem contar o choro, que cai adoidado. E a dor de cabeça. E a revolta. Mas isso é só no primeiro dia. E ao seu lado estão uma mãe maravilhosa e um (então) namorado mais maravilhoso ainda. Sem eles, acho que não escapava da depressão. Bem, aí o processo é longo. Dia após dia, o contato com novos sentimentos. Da temerosa primeira sessão de quimioterapia e queda dos longos cabelos à cirurgia.

2ª cirurgia - 09/11/2007: precedida de dois dias inteiros no pronto socorro do HU, já que minha vaga no quarto tinha sido transferida pra uma paciente inesperada, que havia sofrido fratura exposta no fêmur (esses dois dias merecem um texto à parte); e procedida por sofridos 13 meses de muletas. Desta vez, era véspera do meu aniversário. 19 anos e, de presente, duas pernas enfaixadas e latejando de dor. Ah, também ganhei chocolates e alguns outros mimos. Enfim, entre antes, durante e depois, com certeza essa foi a pior fase, mesmo com todo o apoio que recebi. Porque era ainda uma fase de aceitação, minha comigo mesma e com a doença. O fato de ter que ficar tanto tempo de muletas também não foi fácil. Mas quando do tratamento finalizado e minha liberação pra voltar às aulas, nem me importei com elas, nem com a careca. Queria mais era voltar logo! Deixar de lado os exercícios domiciliares com os quais tive que lidar nesse tempo de ausência, e "botar a mão na massa": gravar telejornais, produzir documentários, participar de Intercom's, de festas e cervejadas também. Tudo com as inseparáveis companheiras - as muletas e as amigas que eu levo pra vida toda, porque cuidaram de mim como se fossem irmãs. E são irmãs do coração!

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Eu caranguejo. Tu caranguejas.

É quando você se cansa de caranguejar que começa a conhecer as pessoas e as coisas de forma que nem imaginaria, tanto positiva quanto negativamente. É quando você se expõe, abre o coração, entrega o que sente (e o que sentiu, muitas vezes calada, em tantos anos), que passa a ver na reação das pessoas o que elas pensam em relação a você. E você tem que estar preparada, tanto para os admirados olhares, quanto para os duvidosos, os que se perguntam "o que ela quis dizer?" ou "será que isso foi pra mim?".

Não é a primeira vez que vou mencionar minha sinceridade. Não gosto de "meias" palavras, nem de que finjam que me entenderam. Eu gosto de pratos limpos, gosto de clareza. A minha intenção nunca foi, nem aqui, nem quando falei em nenhuma outra parte, atacar alguém. Eu simplesmente estou sendo quem sou, dizendo o que penso, transmitindo o que sinto. Se alguém se sentiu atingido, foi porque achou que deveria se sentir como tal. Eu não posso controlar os efeitos do que eu digo e escrevo. Cada um é "tocado" de uma forma. E quero crer que a maioria tenha tido uma impressão boa de tudo que foi dito. Aliás, sou confiante nesse sentido.

A verdade, para muitos, dói. Dói no ouvido de quem ouve, nos olhos de quem lê, e no coração de quem sente. A verdade pode doer pra mim também, mas nem por isso vou fugir dela; sempre a encarei de frente. Aos fracos que não gostam de admití-la ou mesmo de sabê-la, não tenho mais nada a dizer. Aos que, mesmo não tendo a possibilidade de sentir exatamente o que o outro sente, tentam imaginar, pois têm a virtude da sensibilidade, só tenho a agradecer por todo o carinho e reconhecimento. Pra finalizar, um apelo: seja pra agradar aos ouvidos alheios ou não, saia da sua toca, não seja um caranguejo, assuma aquilo que você é!

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Cura do câncer

Já descobriram a cura do câncer, sabiam? Aliás, existem várias. Beber urina é uma delas. Consultar um "médico" que interrompe a sua hereditariedade, fazendo com que você deixe de apresentar os mesmos "problemas" dos seus antepassados é outra. Beber chá de mato de fundo de quintal também cura. Argila, lactobacilos vivos, babosa, bicarbonato de sódio, entre tantos outros... todos tratamentos milagrosos. Tudo depende da sua fé, é simples! Acontece que existe uma linha tênue entre presença de fé e ausência de inteligência.

Há quem diga que a pessoa que tem câncer atrai aquilo com seus pensamentos, e precisa tratar a alma. Outros julgam sua vontade de cura, e colocam em cheque sua fé. Bem, apesar de não ter que provar nada a ninguém, muito menos sobre minha fé, este é mais um momento-revolta que lhes apresento. Se eu tivesse tomado/feito tudo que já me ofereceram/indicaram em 10 anos, talvez já tivesse morrido de intoxicação ou algo do tipo. “Fazer mal não faz”: esse é o argumento comumemente utilizado.

Baseada em texto que li sobre essa questão, é que digo: o fato de ser natural não isenta a medicação de riscos, muito pelo contrário. Muitas ervas são tóxicas para o fígado, por exemplo. E como muitos desses medicamentos não passaram pelo crivo científico, os possíveis danos são desconhecidos. Maconha e cocaína também são substâncias naturais. "Não existe UMA dieta contra câncer, UM tratamento preventivo contra o câncer, UMA fruta contra o câncer, UM remedinho barato contra o câncer nem UMA fórmula feita contra o câncer. A melhor dieta para ajudar na luta geral contra a doença é a melhor dieta para o ser humano, variada e equilibrada, bem como os hábitos gerais de vida são basicamente os mesmos para ter uma vida mais saudável como um todo".* 

Agora vêm me dizer que não tenho fé? Ninguém imagina o tamanho dela, e não tem o direito de falar. Se estão dispostos a ajudar a manter a minha esperança, com pensamento positivo e orações, bem vindos. Mas vender curas mirabolantes, além de ser irritante, é crime.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O que eu penso sobre a morte?

Morte: um assuntinho sobre o qual ninguém gosta de falar (e que, muito provavelmente, tenha causado um certo estranhamento a quem leu o título acima). Mas, pera aí. Todo mundo morre, confere? Eu, como todo mundo, não sou imortal. A diferença é que, convivendo com a sombra e com o peso de uma doença que, para muitos, é sentença de morte, acabo descobrindo o verdadeiro significado da vida. Clichê, né? Pois é, toda essa coisa de "Aproveite a vida como se fosse o último dia", "Viva um dia de cada vez", "Dê valor às coisas simples" e outros blábláblás fazem todo sentido, no fim das contas. Afinal, hoje eu estou viva e, nesse mesmo hoje, muitos morreram de acidente de trânsito, de infarte, vítimas da violência urbana, ou com uma picada de cobra. E muitas dessas pessoas, que não tinham câncer, não souberam aproveitar a vida, não puderam dizer "Eu te amo" a quem elas amaram, não puderam dizer "Desaprovo" a muitas coisas que elas não gostaram, não puderam se despedir, enfim. Não que minha vida seja uma constante despedida, pelo contrário, acho que se eu viver 30, 40, 90 ou 105, vão ser anos muito bem vividos. Terei feito tudo o que me deu na telha, sem pensar no futuro. Porque a vida é aqui, agora, já. Imortal é essa essência, imortal é a lembrança que você deixa aos que conviveram com você, imortal é a diferença que você pode fazer neste mundo. Mas você, você não é imortal, tendo ou não câncer! Ah, tem mais, quando eu morrer não quero velório. Não quero ninguém chorando a minha morte. Mas convido todos, sim, a  celebrarem a vida... Tim-tim?

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Dia dos pais: um vazio que ficou

Apesar de muitos acreditarem que é difícil falar de si mesmo, eu não concordo. Sempre que converso, conto ou escrevo um acontecimento próprio, desabafo. Mas se tem um assunto que eu evito tocar ou mesmo lembrar, esse assunto é o meu pai. Confesso que não me agrada nem um pouco. Mas, pela pertinência que terá, e principalmente pela data que se aproxima, considerei mais do que justo contar um pouco de quem foi esse homem, chamado Clóvis Scandiuzzi Vieira.

Acho que desde que ele morreu, há 5 anos e meio, eu não falei muitas vezes sobre isso. Escrever então... nunca nem pensei. É difícil porque são muitas lembranças boas, que trazem saudades. Mas o que mais pesa são as últimas lembranças, as que antecederam a sua despedida. Foram mais de 2 anos lutando, lutando contra um câncer, um maldito câncer cerebral. É impossível passar aqui tudo que eu senti, e ainda sinto, mas é notória a minha raiva com relação a essa doença, enquanto doença incurável e até intratável (como foi o caso dele). Sei lá, difere muito de quando é com você mesmo. E é aí que me coloco no lugar das pessoas que me amam, por exemplo. Sempre afirmo que elas sofrem mais por mim, do que eu mesma. Você ver a dor e o sofrimento do outro e não poder fazer nada, só esperando a morte chegar, é indigno.

Mas eu não quero transformar isto aqui num mar de lágrimas, até porque se eu continuar por esse caminho, não consigo terminar o texto. Talvez valha mais a pena focar nas boas lembranças. E são muitas! Meu pai, um gordinho alto - gordinho não, gordão mesmo -, daqueles de "pança" rígida. Guloso, preguiçoso, bem-humorado (tenho a quem puxar hahaha). Ele falava aSSim, doCinho, Sabe? (com a língua presa entre os dentes). Clovão, o gordão mais carismático do sul do mundo. Comia romeu e julieta de lamber os beiços. Chamava minha mãe de "Mor" - "Ô, Mor, faz uma batatinha com molho pra mim!". Aos domingos de manhã, eu e meus irmãos pulávamos na cama deles, só pra ouvir a historinha do tomatinho, que a cada semana tinha um desfecho diferente.
Pai e eu, no meu aniversário de 15 anos - Nov/2003.

Era orgulhoso dos filhos, e fazia questão de sempre dizer. A última vez que lembro ter arrancado um sorriso dele foi quando passei no vestibular. Ele estava lá, na cama hospitalar instalada em casa. Só estávamos ele, a empregada e eu. Vi a notícia na internet e saí gritando, contei pra ele, que, mesmo já inconsciente, sorriu. Pra mim foi uma surpresa! Muitas vezes até aquele dia ele já nem me reconhecia mais, nem sabia mais meu nome. Mas nesse dia sei que ele sentiu orgulho; pode não ter lembrado meu nome, mas sentiu orgulho. O último que consegui dar...

Antes de me mudar pra Guarapuava, me despedi, no sábado, rapidamente, numa UTI. No domingo, viajei. Só tive dois dias pra conhecer os colegas. Na terça à noite, a notícia da morte. Uma notícia já esperada e, paradoxalmente, avassaladora. Eu e minha irmã corremos de volta pra Apucarana, antes que desse tempo de "começar o ano". Sei que muitos dos colegas da faculdade que estão lendo dirão: "Nossa, eu nem sabia disso!". Pois é, não fiz questão de contar. Ainda acho isso tudo muito injusto e queria ele aqui pra desejar feliz dia dos pais, e dizer o quanto eu o amo.

P.S.: Diante de tudo que foi vivido, esse texto torna-se superficial. Mas é que cada detalhe dessa história foi guardado em uma caixinha tão bem lacrada, que nem eu mesma sei como abrí-la.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

A vida além e apesar do câncer

É muito comum, em todo esse tempo convivendo com o câncer, ouvir comentários como "Ela tá muito acabadinha?", "Ai, coitadinha", "O ruim é que não dá pra você trabalhar, né?". Gente, ALÔ-ÔU!! Olha pra mim, não tem nada de errado comigo. Me entristece perceber como algumas pessoas neste mundo encaram as coisas. Eu é que tenho dó delas. Coitadinhas! Não sabem o que dizem...

Perdão a quem está lendo isso, pois, com certeza, não é nenhum dos que já disseram ou pensaram algo do tipo. Mas, enfim, foi meu momento-revolta do blog. Aos que me conhecem, sabem que a sinceridade é uma das minhas qualidades/defeitos (ainda não descobri se é um ou outro, ao certo). Mas aos infelizes que só conseguem me ver como moribunda ou incapaz de algo, um Obrigada!, pois são eles também que me estimulam e me fazem chegar onde eu estou.

Onde eu estou? Talvez nem seja lá grande coisa, mas com certeza melhor que muitos dos que me subestimaram. Bom, aos 16 passei no vestibular, aos 21 me formei em uma Universidade Estadual e ainda aos 21 fui aprovada na seleção de mestrado de outra Universidade Estadual. Hoje, aos 22, digo com orgulho que sou mestranda da UEM. Sei lá, pra muitos isso não significa nada. Mas pra mim sim. Sei o que tive que passar pra chegar até aqui. Sei quantos atestados tive que pegar. Sei quantas vezes estive internada, ou na quimioterapia, ou em recuperação de alguma cirurgia, morrendo de vontade de estar naquela "aula chata" (que é o que a maioria pensa e diz). Sei, ainda, quanto esforço fiz pra cumprir todos os meus deveres. Porque não é por ter uma "doencinha" que tenho que ter "colher de chá". Isso iria contra o meu orgulho. O que alguém como eu precisa, nesses casos, é de compreensão, de maleabilidade, de humanidade, e até de alguns acordos. Mas NUNCA desistir de estudar, de trabalhar, de conquistar tudo o que se quer.

É preciso se tratar, cuidar da saúde e ficar sempre alerta? Sim. Mas poder viver de maneira plena é tão importante quando o tratamento clínico, pois é isso que ajuda a cuidar da mente, do psicológico, e te faz ficar sempre positiva, pois é onde se deposita um sentido pra viver. Que graça teria ficar viva se eu não pudesse fazer o que faço? Ser quem eu sou? Não sei, eu não consigo enxergar alguma.

Mas também não quero deixar de reforçar, aqui, meu infinitos agradecimentos a todos aqueles que diariamente, esporadicamente ou por algum pequeno gesto já me ajudaram. Digo e repito: sem vocês, amigos, colegas, conhecidos, familiares, enfim, sem aqueles que pensam e oram por mim, com certeza eu não conseguiria nada do que tenho, nem seria nada do que sou. A vocês, eu dedico minha(s) vitória(s) - se é que posso chamar assim.

Prêmio Sangue Novo no Jornalismo Paranaense (2º lugar - categoria Monografia) - Curitiba, Maio de 2010.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Entre lembranças e cicatrizes

A cada marca visível no corpo, incontáveis lembranças, desde a notícia indesejada, até a internação e o pós-cirúrgico. É um processo no qual, a cada etapa, as sensações são diferentes. Primeiro, quando o médico joga a bomba, você engole seco e já fica naquela expectativa de reorganizar toda a agenda, desmarcar compromissos, se preparar para mais uma temporada de "molho". Essa espera é a mais angustiante; até que o mau não seja "arrancado pela raiz", a impressão é de impotência infinita.

O dia de ir pro hospital chega, você arruma a sua malinha: pijamas, mais pijamas, escova de dente, sabonete, livros e palavras cruzadas... nada muito empolgante, a viagem não vai ser animada e os dias vão ser intermináveis. Com mala e coração na mão, uma ida silenciosa de Apucarana a Londrina. A paisagem nunca esteve tão bonita. Vou me despedindo do céu, das árvores, do Sol, das pessoas com roupas alegres, como se nunca mais fosse ver tudo isso, só imaginando o frígido e entediante cenário hospitalar, imensidão de palidez.

Quando vê, já foi operada, de novo. Quase que antes de abrir os olhos, a pergunta: - Como foi? Deu tudo certo? - E, até então, a resposta tem sido positiva. O alívio de estar "curada" mais uma vez se sobrepõe à dureza que é enfrentar a dor. Aliás, eu nem sabia que um ser humano fosse capaz de aguentar tanta dor, e conseguir seguir adiante como se ela nunca houvesse existido.

Sim, eu também me impressiono com a minha própria história. Afinal, a cada nova experiência, eu também aprendo, eu também me admiro com tanta "gambiarra" que já foi feita em mim. Tira um osso de cá, põe pra lá, tira um pedacinho daqui, um rim de lá, coloca uma, duas, três próteses. E quem olha, diz: - Nossa, nem parece. - É, não mesmo. E eu só tenho a agradecer por tudo isso. Por ter conseguido me safar por vezes seguidas, sem nenhuma consequência mais grave. O que restam são apenas cicatrizes.

Ressecção tumor tíbia direita, enxerto fíbula esquerda - Nov/2007.
CICATRIZES
Fátima Venutti


Quando toco tua cicatriz,

Somatizo e sinto
Todas as raízes
De tuas outras cicatrizes.

Quando posto minhas mãos

Sobre tua cicatriz, adentro,
Profundo em teu caminho, me calo,
Na corredeira de tua perpétua dor.

É neste toque que te acolho.

É neste toque que tua dor afago.
É neste toque que respiro o teu passado.
Mas é nessas palmas que teu espírito embalo.

Quando toco tua cicatriz,

Recolho e incinero o teu passado
E regozijo infinitamente a tua alma.

(in Último Beijo, 2007)

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Cabelos: o tabu da quimioterapia

Decidi começar por esse assunto que, como muitos vão concordar, é o grande "vilão" da quimioterapia, para aqueles que NÃO a fazem. Digo isso porque é só mesmo quem faz pra entender o quão pequena se torna a importância de ter ou não cabelos quando você sente o que se sente fazendo esse tipo de tratamento, tão invasivo.

Pra ser bem sincera, eu não consigo descrever as sensações. Na verdade, em cada período, em cada sessão, são efeitos colaterais novos e diferentes. Depende muito também do seu estado emocional, pelo que percebo. Mas só pra tentar traduzir isso, tem horas que realmente você prefere morrer do que ficar sentindo aquelas coisas. Sem exagero, sem sensacionalismo! A única vontade que se tem é que os segundos, os minutos, as horas, os dias passem o mais rápido possível, até que os efeitos diminuam. E aí vai dando aquele alívio, aquela vontade de comer, sentir o gosto da comida, sem ter ânsia, sem ter que vê-la saindo de volta vaso sanitário abaixo. É triste, mas é real.

Infelizmente esse ainda é um dos mais eficientes métodos de cura ou de controle da doença, então o que nos resta é aceitá-lo. Mas acho que se um dia ele fosse definitivamente substiuído ou se, pelo menos, não causasse tanto pavor, a torcida dos pacientes com câncer agradeceria, e muito. Tenho absoluta certeza disso!

O lado bom é que tudo acaba e, na grande maioria das vezes, vale a pena ter passado por tudo aquilo, já que se você não arrancar essas forças de algum lugar, aí sim é que a coisa complica. E esse "lugar" para arrancar tanta paciência e força é exatamente os amigos, a família... (lembrando que os que fazem jus a essas classificações 'amigo', 'família' são poucos). Mesmo que a família seja enorme, FAMÍLIA de verdade você percebe quem são nesse momento; mesmo que os amigos do facebook sejam mais de 1000, os que te consolam e te impulsionam para o próximo dia de quimioterapia não passam de 10, com muita sorte.

Eu não posso reclamar de apoio, afinal o próprio blog demonstra que por falta de encorajamento é que eu não vou desistir. Onde quero chegar é que, por razões compreensíveis, as pessoas naturalmente se isolam quando estão em tratamento ou quando descobrem o câncer. O meu conselho é que, pelo contrário, elas busquem as outras pessoas. Claro, você sempre vai encontrar resistências, mas vai conhecer o lado mais magnífico do ser humano, o lado da humanidade, da solidariedade e da sinceridade... com certeza vai ver nas palavras e nos sorrisos de admiração das pessoas um dos mais belos prazeres da vida. E o que é viver senão isso?

Bem, mas o assunto aqui era cabelos, né? Justo! Me perguntam: - Você sente falta dos cabelos? - É CLARO que sim. Mas ainda que, às vezes, façam falta pra mim, sei que se um dia fizerem falta pra alguém à minha volta é porque esse alguém não tem o mínimo de sensibilidade e não merece a minha amizade ou seja lá o que for. Cabelos não mudam o que você é. E, tem mais, eles crescem. Sempre dá pra ficar com um visual diferente e fazer piada com isso (mesmo quando os amigos te chamam de Joãozinha hehe). Mas a certeza é que cabelo não demonstra vaidade ou feminilidade. O que importa é, sim, a saúde e o prazer de viver bons momentos, seja de lenço, peruca, cabelo curto, comprido ou careca.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Documentário "Caranguejo"


Fiquei devendo o documentário, o qual ajudou a dar origem ao nome do blog!
Uma produção de Adolfo Vaz, Gabriela Jacuboski, Renata Caleffi e Suellen Vieira.
Prêmio Expocom Sul de Comunicação (2010) - melhor vídeo da região sul na modalidade.

A história em números

Nesses 10 anos, foram 10 intervenções cirúrgicas, das quais 3 biópsias e outras 7 grandes operações, em que foram retirados 8 tumores. Além disso, as intermináveis sessões de quimioterapia; 16 nas minhas contas. Os números impressionam, digo até que chocam. Mas, por trás deles, há muito a ser lembrado e a ser contado. Os números eu deixo pra esse início... No mais, a ideia é compartilhar sentimentos, angústias, raiva, sorrisos, agruras, desespero, alegrias. É isso que me proponho a fazer aqui neste blog. A razão? Não sei, apenas senti essa vontade, essa necessidade. Mesmo que passe despercebido para a maioria, sei que alguns vão ler e se identificar, outros se emocionar, outros relembrar junto comigo as dificuldades vencidas. Hoje estive no Hospital do Câncer, em Londrina, local onde tenho passado boa parte do meu tempo nos últimos anos. Aliás, muito mais tempo do que eu queria. Na consulta, o médico viu alguns exames e confirmou mais 2 suspeitas que eu já tinha. Ou seja, a saga continue em breve. E eu já estou pronta pra vencer, de novo!

Saindo da toca...

Há tempos pensava em criar um blog. Mesmo depois de me formar em jornalismo e acreditar no poder dessa mídia, não o fiz. Mas cá estou eu, porque nunca é tarde. Como primeira postagem, gostaria de explicar o nome que eu dei ao blog; há, pelo menos, dois motivos. O primeiro é porque queria algo relacionado a 'Caranguejo', já que, ainda na época da graduação, produzi juntamente com 3 colegas um documentário sobre câncer, que levava esse nome. Explico: originária do latim, a palavra câncer significa caranguejo, pois as células doentes atacam e se infiltram nas células sadias como se fossem os tentáculos de um caranguejo. O segundo motivo veio após eu ler um texto de autoria de Roland Körber em parceria com Miguel Herrera, o qual conta, em metáfora, como o ser humano hesita, fica parado enquanto a vida passa, enfim, "carangueja". Eu, me sentindo um caranguejo, decidi agir, fazer a minha parte, mostrar um pouco de quem eu sou, e contar um pouco da minha história. Lutando contra o câncer desde os 12 anos, ou seja, há exatos 10 anos, achei que este blog pode ser uma forma de "celebrar" o aniversário da década que se passou. Abaixo, o texto citado; vale a pena ler!


Alguma vez você já parou para observar os caranguejos na praia? À primeira vista não é muito fácil, porque sua cor é quase igual à da areia, e assim é difícil enxergá-los – assim como você e eu no meio da multidão: pouca gente presta atenção em nós.
Para os caranguejos, isto é certamente uma proteção – quem não é visto não é atacado. Quando, porém, damos um passo em sua direção, eles começam a correr daquele jeito estranho, meio de lado, sem direção definida, mas em grande velocidade.
Assim como alguém disse certa vez: não sei para onde vou, mas faço isso à toda.
Eles só tomam iniciativa dentro da água e lá, mais protegidos, reagem quando encostamos neles. Aí, cuidado: mordem!
Dentro do ambiente próprio, cuidado conos... com eles – pois é, não são só os caranguejos.
Na praia, cavam suas tocas na areia e, quando conseguem alcançá-las, desaparecem rapidamente dentro delas diante daquela enorme ameaça que vem andando em sua direção. Às vezes apontam a cabeça para fora e então podemos observar ao longe dois olhinhos vigilantes, como um periscópio de submarino, para sumir rapidamente quando alguém se aproxima.
O mundo é assustador, e enquanto podemos observá-lo de longe, tudo bem, mas é bom não se expor em demasia.
O que o caranguejo faz dentro da sua toca? Nada, pelo jeito – trata de sobreviver, apenas. Coitado dele, não tem outra opção.
Diante de tudo que nos assusta na vida, podemos caranguejar, mordendo onde estamos em vantagem, fugindo do que nos assusta, observando o mundo sem nos envolver ou nos recolher à nossa toca – “não vejo, não ouço, não falo: deixem-me em paz”.
Que tal a vida de caranguejo? Sem graça, não?
Mas quem disse que nós vivemos assim? Afinal, temos os nossos objetivos na vida, sejam quais forem – trabalhamos e nos esforçamos para nos realizar.
No entanto, tenho a impressão de que esses nossos esforços não diferem muito de tocas de caranguejo – quando a maré sobe e revolve a areia, era uma vez uma toca. Daí o grito apavorado de quem não era caranguejo e sentiu isso:

“Todas as tuas ondas e vagalhões se abateram sobre mim.” ¹

A diferença é que para o caranguejo isto faz parte normal da vida, dia após dia, mas nós temos anseio por algo mais permanente. Ao mesmo tempo continuamos a buscar refúgio na nossa toca de areia e experimentamos que

“a mentalidade da carne é morte...” ²

E assim será, se pararmos por aqui. Mas este último texto continua, assim:

“...mas a mentalidade do Espírito é vida e paz. ... Vocês não estão sob o domínio da carne, mas do Espírito, se de fato o Espírito de Deus habita em vocês. ... Se Cristo está em vocês, o corpo está morto por causa do pecado, mas o espírito está vivo por causa da justiça.” ³

Saia da sua toca de caranguejo e não fuja só porque alguém se aproxima. Observe bem: pode ser Jesus, que vem para lhe dar uma vida com que caranguejo nenhum sonha e que muita gente também deixa escapar. Por que você seria um deles?

Referências da Bíblia: ¹ Salmo 42.7b; ² Romanos 8.6a; ³ Romanos 8.6b,9a,10