sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Pauta quente

Apesar de não querer transformar este blog num diário - em que eu conte cada detalhe do meu dia-a-dia, conforme eles acontecem -, vou hoje, pela primeira vez, escrever um texto factual. Como diríamos nós, jornalistas, pauta quente. É que desde quando comecei a escrever aqui, não havia passado por tratamento ou tido uma experiência mais atual pra contar.

Nos últimos dias, comecei pela quarta vez uma nova fase de quimioterapia: o primeiro ciclo foi dividido em uma aplicação na segunda-feira passada e outra na segunda-feira desta semana. Segundo o médico, havia a possibilidade de estas drogas utilizadas não provocarem efeitos colaterais tão graves. Ele disse que não garantia nada, mas que talvez funcionasse como um 'cházinho'. Hoje, em consulta, brinquei dizendo que ele esqueceu de colocar açúcar no chá (risos). Pois é, os efeitos colaterais vieram, sim, e vieram com força.

Na semana passada, nada tão insuportável. Até fui às aulas, apesar de sentindo um certo zunido nos ouvidos, o que acabou se transformando em incômoda dor de cabeça até o fim de semana. Mas, no fim das contas, foi melhor ter ido, pra distrair, fazer com que o tempo passasse rápido, me ocupando com coisas das quais gosto. Quem dera tivesse ficado apenas na dor de cabeça!

Depois da aplicação desta segunda, não teve jeito: tive uma terça até agradável e estava preparada pra ir a Maringá na manhã seguinte, o que percebi que não faria logo quando acordei. Tentei resistir, indo ao banheiro, escovando os dentes, até sentei na cama pra pensar "Será que vou? Será que fico?". Mas eu me conheço e definitivamente sei quando não estou bem. Foi aí que decidi ficar, e decidi pelo certo.

A quarta-feira foi um daqueles "piores dias da vida". Nem vi a luz do Sol, acho que dormi umas 20 horas (e não é um sono gostoso não, pelo contrário, é sono de quem não aguenta parar em pé). Comi só por questão de sobrevivência, porque fome não existe nesses momentos. Ao lado, apenas uma garrafa d´água e o celular. A mãe ligando pra ver se eu estava viva a todo momento (eu a "liberei" pra ir trabalhar pela manhã, me arrependendo de tal decisão no decorrer do dia). Quando ela chegou, no fim da tarde, estava eu embaixo das cobertas e com frio, em pleno calorão do norte do Paraná. O termômetro revelou o motivo de tanto mal-estar. "Já pro banho" - disse ela. Eu tive que obedecer, porque mãe é mãe.

Medicada, a febre foi controlada, ainda se rebelando por alguns momentos. O mal-estar não foi embora de um todo, mas diminuiu. Além dele, ressecamento da mucosa nasal e bucal. Vocês não têm noção do que é isso, é muito ruim (por esse efeito eu ainda não tinha passado). Também surgiram umas alergias na região do pescoço. Com tantos imprevistos, decidi consultar o médico hoje, pra ele me medicar e eu sonhar com um fim de semana mais agradável. Agora sim, já me sinto disposta pra fazer algumas coisas, inclusive escrever aqui.

Muitas pessoas perguntam o que eu sinto quando faço quimioterapia. Desta vez foi isso, mas em outras foram reações diferentes. Enfim, este post foi pra tentar transmitir um pouquinho dessa sensação que, até que enfim, está passando, de novo (e por enquanto). 

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Cigana, indiana, muçulmana... ou estilo??

Em uma ida a Cianorte, fui chamada de indiana :D
Já perdi as contas de quantas vezes, andando pelas ruas ou outros lugares públicos, flagrei pessoas me olhando. Olhares curiosos, intrigados, que fazem transparecer pontos de interrogação. Eu sei, sair por aí com lenços coloridos na cabeça não é algo totalmente normal. Não pra uma pessoa normal como eu. E é isso que os 'olhadores' se perguntam - imagino eu - "Por que ela usa isso? Será que é estilo?".

Acho que até passa pela cabeça de alguns que posso ser uma paciente oncológica em fase de tratamento quimioterápico (fato!), mas também estou certa de que logo essa ideia se esvaece. Para outros, isso nem entra em cogitação, e é daí que surgem algumas ousadas perguntas, como: "Você é de alguma religião diferente?" ou comentários como "Que lindo seu turbante" e "Oi, indiana". Hehehe! Não é mentira, algumas pessoas já presenciaram isto comigo.

Não é algo que me incomoda ou me deixa brava, de maneira alguma. Acho engraçado ganhar esse tipo de "apelidos", pois percebo o quão criativa é a mente das pessoas, que desviam suas impressões do que parece ser mais óbvio (pelo menos pra mim).

Uma coisa eu digo: prefiro que perguntem o que eu tenho, matem sua curiosidade, tirem sua dúvida, do que me olhem como se eu fosse um ser estranho. Porque, voltando ao que eu disse no início, é incrível como um acessório qualquer pode atrair tantos olhares. Não sei se eu gosto de parecer diferente, mas de qualquer forma isso é outra coisa com a qual eu também já me acostumei.

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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Um post da Rê

Este texto que segue foi escrito pela minha GRANDE amiga, também jornalista, Renata Caleffi. Nem preciso comentar, leiam e comprovem que quem tem um amigo tem um tesouro. Rê, amo você, gata!

2009 - Uma das aventuras como repórteres.
Eu podia cá contar sobre o dia em que nós duas nos formamos (um dos mais felizes), ou então do dia em que a Su me abandonou em uma festa (um dos mais revoltosos), ainda podia contar o dia em que comemos feijão e arroz às 23h e paramos em um show sertanejo (um dos mais bizarros), quem sabe outro em que paramos em um rally (emocionanteee). Tiveram ainda alguns com tereré, cerveja, estúdio de tv, viagens... Mas, em decorrência deste ser um blog de motivação, me detenho a contar sobre algumas aventuras que, por causa do câncer, tivemos.

Nunca fui amiga antes dele, não conheci e não posso dizer: “Ah, ela era outra pessoa antes disso”. E não foi antes do da costela, o primeiro deles, mas antes do da perna, nunca te conheci como depois da cirurgia, apesar de estar há dois anos estudando na mesma sala. Eu posso falar, de certo modo, que ele trouxe uma amiga pra perto de mim, certo?! E talvez tenha sido ele que nos aproximou muito mais.

A (re)conheci como amiga a partir das muletas – essas mesmo que hoje já não gosta mais. Foi em passagens pela quitinete azul, pra ajudar a Cris nos dias de chuva, com guarda-chuvas, muletas, bolsas e parafernálias que vi, com olhos de amiga, ela. Nesse mesmo tempo, as incríveis aventuras de duas malucas (e malucas mesmo), começaram. Já andamos de moto com você de muletas, eu sem capacete, e sua mãe, desesperada não acreditando no que você tinha feito. A cirurgia recém feita não foi impecilho para te levar pra cima e pra baixo em cima da ‘moto envenenada’ que não chegava a 60km por hora, mas convenhamos, era uma maluquice tremenda. Fomos cobrir vestibular, divulgar Unicentro pra cima e pra baixo a bordo dela, muletas penduradas, você agarrada na minha cintura e eu ainda não sei como conseguíamos.

Vi colocar um salto depois da cirurgia, os cabelos caírem, voltarem, serem cortados, brotarem na velocidade da luz. Dos dias mais tristes incluem-se eles serem cortados, sua mãe ligar para avisar que não era apenas uma biópsia, como você imaginava, e a notícia de longe que aparecia um tumor no rim. Não devo ter chorado na sua frente em nenhuma dessas vezes, mas as lágrimas caíram ao mesmo tempo em que eu tentava te falar qualquer coisa de motivação. Mas não é disso que eu quero falar.

Quero voltar para a moto envenenada, e dizer que a confiança que você depositava em mim, ao embarcar nela, ainda sinto muitas vezes, embora a distância. Embarcar na vida de uma pessoa é muito fácil, como diria nosso amigo João, “o ônibus vive passando, entra quem souber embarcar e você pode descer em qualquer ponto, é só puxar a cordinha”. Ao embarcar na minha vida, não foi a Suellen que tem câncer. Ele, (o câncer) foi quem me aproximou, mas nunca foi quem prevaleceu. Se amiga a gente reconhece de longe, talvez eu não tenha prestado bem atenção nesse dia, mas com certeza, reconheci mais tarde.

“Não tenha dó. Eu tenho é sorte, tive tantas cirurgias e tô aqui, viva. E você?”.
Levo isso em cada queda, em cada impecilho pelo caminho. Você me ensinou a (re)viver, e disso eu não esqueço jamais. De você, eu não esqueço jamais!

Su, Rê, muletas e a cervejada - Jun/2008.

domingo, 11 de setembro de 2011

Presente de aniversário

Hoje não vou falar de mim. Mas vou falar de alguém que já chorou mais por mim do que eu. Também já sorriu, orou, sofreu, torceu, preocupou-se, lutou, esbravejou, angustiou-se mais por mim do que eu. Ela já viveu e já amou mais que eu, e por isso me ensina a viver e a amar diariamente. É minha amiga, é minha companheira de papo furado, de desabafo, de momentos-revolta, de incertezas. É meu apoio quando eu fico triste, é minha confidente quando estou feliz. É minha fonte de carinho e, também, meu foz de inseguranças. Toda minha força é inspirada nela. E assim somos um canal único de energia: eu tiro dela, mas também forneço. Nessa troca, exercemos da forma mais plena os papéis de mãe e filha.

Mãe, eu e minha peruca, na formatura da minha irmã - Fev/2008.
Mãe, neste 12 de setembro, dia do seu aniversário, eu quero (re)dizer sobre como me sinto em ser sua filha. Talvez nunca tenha dito, com essas palavras que aqui vão se tecendo. Talvez nunca tenha escrito, também. Mas sei que do meu sentimento você não tem dúvida, ou melhor, o meu sentimento você conhece bem. Eu também te conheço bem, de uma forma bonita. Triste e quiçá dolorosa, é verdade, mas muito bonita. Quanto mais conheço, mais admiro, me espelho, defendo e me apaixono. Porque, ainda que mais ninguém saiba, eu sei que tenho a melhor mãe do mundo. E embora (quase) todas as mães sejam as melhores pra seus filhos, você é a MINHA melhor mãe do mundo, e eu tenho orgulho e prazer em falar isso, aqui, a todos que também leem esta "carta".

É até difícil traduzir verbalmente a complexidade e a grandeza do meu amor por você. Mas, ao mesmo tempo, sei que se fosse o contrário seria ainda "pior", porque amor de mãe não se mensura, não se calcula, não se entende, não se explica, apenas se sente. E eu sinto. Sinto o seu todos os dias, a cada manhã, a cada bom dia ou boa noite, a cada cafézinho na sala comentando a novela ou o jornal, a cada comidinha especial de mãe, a cada beijo, a cada "Se cuida", a cada bronca (essas quase não preciso, hehe). Enfim, desde o menor gesto àqueles que te fazem essa mulher guerreira, todos me provam o seu amor, e todos me fazem te amar mais, e sempre.

Seja no seu aniversário, seja no dia das Mães, seja no Natal, na Páscoa, ou em qualquer outra ocasião, o que eu quero pra você é sempre o mesmo presente. Não é um presente que eu possa comprar e te dar, mas é um presente que eu posso desejar, e desejar com todas as minhas forças pra que Deus te dê. Esse presente é VIDA: que ela seja como é, mas com mais saúde, mais paz, mais e mais força, sempre. Pra poder lutar, pra poder vencer e pra poder cuidar dessa sua filhinha que te ama muito. Feliz aniversário, e obrigada!

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Como se fosse a primeira vez

Tem aquele papo de artista que diz que a cada vez que se sobe no palco é como se fosse a primeira, porque a emoção é sempre diferente. Tá aí uma boa metáfora para cada nova lesão que aparece em mim. Não pensem que depois da segunda ou terceira, acostuma-se com a ideia; não é verdade. Acho que a diferença é a maturidade que se cria, a maneira de lidar com a situação... Mas, na realidade, nunca é fácil e, pelo menos sob o prisma psicológico, os dias até que o problema não seja resolvido são os mais duros. Pois as caraminholas ficam tentando tomar conta da cabeça, e é bem difícil controlar estas inquietações.

Guarapuava/2008 - Saudade delas (menos das muletas).
Eu já descrevi, em outra ocasião, parte de como se deram os fatos por volta de 2001 e 2007. Volto, agora, a me utilizar do recurso cronológico para narrar os acontecimentos posteriores - ou melhor, uma parcela deles. O ano de 2008 foi, integralmente, de recuperação (por conta do enxerto ósseo na tíbia, exigindo que eu usasse muletas). Ao mesmo tempo, foi também um ano muito produtivo em relação aos meus trabalhos pessoais e, o melhor de tudo, livre de novos tumores. Hoje em dia vejo quanta vantagem tal ano teve, já que 2009, 2010 e 2011 não passaram em branco no aspecto de tratamentos (tanto cirúrgico quanto sistêmico).

Iaciara(GO)/2009 - Comunidade Quilombola (Projeto Rondon).
Em junho de 2009 passei pela minha terceira cirurgia, desta vez em um dos pulmões - o direito. De fato, câncer no pulmão era (naquele momento) algo meio assustador. Era diferente dos anteriores, portanto causava um novo medo. Estava com uma viagem marcada para as férias de julho, e não queria perder. Isso não aconteceu, pois antes do início do mês eu já estava recuperada e com as malas prontas pra ir pro sertão de Goiás, numa cidade chamada Iaciara, onde participei do Projeto Rondon (um projeto coordenado pelo Ministério da Defesa, e realizado em parceria com as IES brasileiras). Hoje vejo que isso, além de ter sido uma "loucura" da minha parte, foi também prova de que NADA pode ser deixado de lado quando se tem um propósito. Com os devidos cuidados sendo tomados, a indicação é viver - sem contra-indicações.

E foi isso que fiz até me deparar com a quarta cirurgia, no rim esquerdo. Esta, em dezembro de 2009. Mais especificamente, 22 de dezembro, o que fez com que eu passasse a CEIA de NATAL internada. Sacanagem, né? Já tinha passado dia das crianças e aniversário, mas Ceia de Natal? Foi péssimo. Tive que me contentar em assistir Shrek Especial de Natal pela TV, enquanto todos se deliciavam com perus e festejavam ao som de Dingobel. Indignação à parte, no dia 25 tive alta e fiquei feliz, muito feliz. No dia seguinte lembro ter participado, precocemente, de um churrasco com amigos - ainda com as devidas cautelas, não me privo dos bons momentos, não me imponho contra-indicações. O fim do ano chegou e eu, ainda com os pontos da cirurgia, pude, desta vez, me deliciar com o pernil do Reveillon. =)

2010 - Colação de grau (Jornalismo 2006/2009).
2010 deu boas vindas e o próximo passo era a quimioterapia, já pela segunda vez. Mas ela pôde esperar que passasse a minha formatura - momento tão importante pra mim, e do qual eu não abriria mão. Dia 19 de fevereiro: colação de grau; dia 20 de fevereiro: festejos; dia 21 de fevereiro: viagem Guarapuava-Apucarana; dia 22 de fevereiro: quimioterapia. Belo contraste! Passados dois meses de tratamento e os cabelos (que já tinham crescido até o ombro) novamente "derrubados", a próxima missão era passar na seleção de mestrado. Ao mesmo tempo em que estudava para as provas e participava das entrevistas, descobri um quinto tumor: no pulmão esquerdo. Cirurgia realizada em outubro de 2010 e, concomitantemente, mais uma etapa profissional vencida. Meu presente de aniversário, nesse novembro, foi a vaga conquistada e novas dores, agora no fêmur esquerdo. Além dessa lesão, ainda foi descoberta uma outra, no rim direito. Exatamente assim, sem tempo pra pensar. Em dezembro já estava começando, pela terceira vez, novas sessões de quimioterapia, as quais duraram até o início das aulas do mestrado, em fevereiro de 2011.

Em março de 2011, fiz a sexta cirurgia, em que o fêmur esquerdo foi substituído por uma prótese e também foi retirado um tumor menor, na coxa direita. Tal cirurgia me fez reencontrar as amigas muletas - agora por um período mais curto: 4 meses. Ou seja, foi com elas que, no mês de abril, me internei para a sétima cirurgia, em que houve retirada integral do rim direito. Sim, agora só tenho um rim. Esse foi outro acontecimento que, de início, me assustou muito, mas, pelo menos até então, não tem me proporcionado nada de diferente. Ambas as cirurgias intercaladas com aulas, seminários, novos colegas, novos professores, novos conteúdos e, digo mais, todos esses "novos" têm sido minha salvação, meu refúgio, meu desvio de preocupação (claro que para outra preocupação: a dos artigos, dos autores e teorias incompreensíveis e, ao mesmo tempo, fascinantes). E é ainda nesse contexto de "produtividade" que pretendo encarar o tratamento que está por vir, e as duas novas cirurgias (a oitava e a nona). Aos que estão pasmos, eu digo uma coisa: não sei até quando eu aguento a guerra, mas enquanto eu não perder, a luta é garantida!
Califórnia/2011 - Duas palhaças que (também) alimentam minha saudade.