segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Entre lembranças e cicatrizes

A cada marca visível no corpo, incontáveis lembranças, desde a notícia indesejada, até a internação e o pós-cirúrgico. É um processo no qual, a cada etapa, as sensações são diferentes. Primeiro, quando o médico joga a bomba, você engole seco e já fica naquela expectativa de reorganizar toda a agenda, desmarcar compromissos, se preparar para mais uma temporada de "molho". Essa espera é a mais angustiante; até que o mau não seja "arrancado pela raiz", a impressão é de impotência infinita.

O dia de ir pro hospital chega, você arruma a sua malinha: pijamas, mais pijamas, escova de dente, sabonete, livros e palavras cruzadas... nada muito empolgante, a viagem não vai ser animada e os dias vão ser intermináveis. Com mala e coração na mão, uma ida silenciosa de Apucarana a Londrina. A paisagem nunca esteve tão bonita. Vou me despedindo do céu, das árvores, do Sol, das pessoas com roupas alegres, como se nunca mais fosse ver tudo isso, só imaginando o frígido e entediante cenário hospitalar, imensidão de palidez.

Quando vê, já foi operada, de novo. Quase que antes de abrir os olhos, a pergunta: - Como foi? Deu tudo certo? - E, até então, a resposta tem sido positiva. O alívio de estar "curada" mais uma vez se sobrepõe à dureza que é enfrentar a dor. Aliás, eu nem sabia que um ser humano fosse capaz de aguentar tanta dor, e conseguir seguir adiante como se ela nunca houvesse existido.

Sim, eu também me impressiono com a minha própria história. Afinal, a cada nova experiência, eu também aprendo, eu também me admiro com tanta "gambiarra" que já foi feita em mim. Tira um osso de cá, põe pra lá, tira um pedacinho daqui, um rim de lá, coloca uma, duas, três próteses. E quem olha, diz: - Nossa, nem parece. - É, não mesmo. E eu só tenho a agradecer por tudo isso. Por ter conseguido me safar por vezes seguidas, sem nenhuma consequência mais grave. O que restam são apenas cicatrizes.

Ressecção tumor tíbia direita, enxerto fíbula esquerda - Nov/2007.
CICATRIZES
Fátima Venutti


Quando toco tua cicatriz,

Somatizo e sinto
Todas as raízes
De tuas outras cicatrizes.

Quando posto minhas mãos

Sobre tua cicatriz, adentro,
Profundo em teu caminho, me calo,
Na corredeira de tua perpétua dor.

É neste toque que te acolho.

É neste toque que tua dor afago.
É neste toque que respiro o teu passado.
Mas é nessas palmas que teu espírito embalo.

Quando toco tua cicatriz,

Recolho e incinero o teu passado
E regozijo infinitamente a tua alma.

(in Último Beijo, 2007)

7 comentários:

  1. Impressionante a sua história, impressionante a sua capacidade de descrever tudo isso tão bem... belo relato. Desejo melhoras, e parabéns pelos ótimos textos-desabafo :)

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  2. Lindoo, Su, como vc vê as coisas, como nos mostra as coisas. E linda vc, sempre. Com mais ou menos cicatrizes... ;)

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  3. Oi, Suellen, aproveitando o gancho da questão de sua pesquisa sobre o discurso da inclusão, acho que eu poderia te ajudar com mais material... e-mail fabianoqueiroz@yahoo.com.br ou via brógue mesmo :)

    abraço

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  4. É um exemplo, tocante e constante, de superação.

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  5. Serenidade há em teu coração,
    Único e radiante...
    Exemplo de vida e determinação
    Livre em pensamentos...
    Lutadora...e vibrante...
    Em busca da vida plena...
    Naturalmente vive como verdadeira guerreira.

    Olá Sú, boa e rápida recuperação....

    Abraços,
    Cláudio.

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  6. Su, não consegui achar só a letra dessa música, mas lembrei dela ao ler seu texto. Escuta: http://www.youtube.com/watch?v=1He63FSa7n8
    Beijo!

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  7. Ouvi, Schey. Não deu pra entender bem certinha a letra, mas, do que eu entendi, é muito linda... e combina mesmo! :)

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